quarta-feira, 22 de abril de 2020

A IMPORTÂNCIA DA LETRA "P"


Paula Pereira, pintora, principiou por pintar painéis publicitários para partidos políticos. Pretendia progredir pintando paredes, porcelanas, para praticar, pinturas próprias personalizadas.

Paula parecia possuída pela pintura, pintando pessoas, personagens políticas, padres, progressistas, professores. Procurou pintores prestigiados, pintando-os. Pintava perfeitamente pedestres, passeando pelo passeio. Precisava possuir provimento para partir para Paris. Principiou por Portimão, Portalegre, principalmente pelo Porto. Pintou panfletos publicitários para promover-se pessoalmente. Propagandeava-se, pintando pelo próprio punho.

Partiu para Paris. Por prolongado período, passou privações, pernoitando por pensões paupérrimas.

Passeando pelas prestigiadas pontes parisienses, prometeu-se pintá-las. Promoveu-as publicando-as por periódicos populares, privados, promocionais. Percorria pelo próprio pé, pelos prados, planícies, para pintar paisagens, plantas, pores-do-sol. Propunha-se percorrer Paris, ponta-a-ponta. Pintava por paixão, por prazer. Próximo passo, prosperar para projeção própria, progredindo pintando perfis perfeitos. Pautava-se pela perfeição, prosseguindo placidamente, persuadindo pintores peritos para própria promoção.

Posteriormente presenteou pinturas para personagens poderosas, publicou próprias pinturas por periódicos principais. Prestigiou-se propositadamente para poder prosseguir, purificando-se pela pintura. Pulou para patamares públicos. Prudentemente provou produzir pinturas profissionais. Procurou primazia para preencher-se.

Procurou países prósperos, produziu pinturas pitorescas, picassianas, promovendo-se. Pulou para planos prodigiosos. Prosperou. Passou por personagem popular, procurada por pessoas poderosas, personagens prestigiadas.

Programou palestras, palestreou por principais palcos para povos preponderantes, promovendo pinturas, pintores.

Presentemente possuía possança, principalmente por portugueses. Patriótica, partiu para Portugal, procurando parceiro para passar período prolongado, por paixão. Pretendia pai para próprios pequenotes. Presentemente possuía pequeno palacete próximo Prazeres.

Pedro Pimental, personagem próspera, pessoa provida, proprietário poderoso, possuía propriedades. Pareceu-lhe próprio para pai, para protegê-la. Prestar presença por paixão, por predileção.

Presentemente, Paula passa prolongados períodos pintando próprios pequeninos. Pedro Pimentel prestava-se perfeitamente para Paula, procurando proteger Paula, próprios pimpolhos, por paixão.

Principiou prolongada paixão pura, para Paula, para Pedro, para próprios pequeninos.

segunda-feira, 13 de abril de 2020

DIÁLOGO NO ELEVADOR


Ele: - «Faça o favor…»

Ela: - «Obrigada.»

Ele: - «Que andar?»

Ela: - «4.º»

Ele: - «Eu também, é familiar do sr. Leonel?»

Ela: - «Não, o sr. Leonel foi quem me vendeu o apartamento.»

Ele: - «Mas…»

Ela: - «Que se passa?

Ele: - «Elevadores velhos, volta e meia, zás, uma paragem.»

Ela: - «E agora?»

Ele: - «Não se preocupe, carregamos no alarme e o administrador resolve o problema.»

Ela: - «É habitual?»

Ele: - «Sim, volta e meia… vá lá que ao menos desta vez ficámos com luz.»

Ela: - «Mas… ninguém aparece?

Ele: - «Provavelmente não está em casa. Vou telefonar-lhe. Espero que tenha rede aqui dentro.»

Ela: - «Não há mais ninguém que nos ajude?»

Ele: - «Infelizmente não. Neste prédio a maioria são viúvas reformadas.

Senhor Fonseca? Ficámos trancados no elevador. O quê? Bonito… ok, ok.

Ela: - «Que aconteceu?»

Ele: - «Está no Porto, volta só amanhã.»

Ela: - «E agora?»

Ele: - «Dormimos aqui.»

Ela: - «Não brinque… ligue para os bombeiros.»

Ele: - «É claustrofóbica?

Ela: - «Felizmente não, mas dormir num elevador…»

Ele: - «Vou ligar para a assistência dos elevadores, espero que não estejam em greve.»

Ela: - «Ó senhor… desculpe, como se chama?»

Ele: - «Sousa. César Sousa.»

Ela: - «Senhor Sousa, por favor, ligue lá para o homem do elevador, são sete horas e ainda vou fazer o jantar.»

Ele: - «Senhor Sousa, sou no escritório, para amigos sou simplesmente César… e que tal se mandássemos vir uma piza?»

Ela: - «Senhor César…»

Ele: - «César, sem senhor.

Boa Noite, sou o condómino do 4.º direito. Estamos trancados no elevador... não, está no Porto… ok, que remédio, até já.»

Ela: - «Que foi agora, César?»

Ele: - «Está no Cacém. Logo que se despache, vem, mas com o trânsito a esta hora na IC 19…»

Ela: - «Logo hoje…»

Ele: - «Logo hoje porquê? Tinha onde ir?»

Ela: - «Não, mas estou cheia de fome.»

Ele: - «Quer uma piza?»

Ela: - «Não gosto, nas com a fome que tenho… não almocei e comia-a de boa vontade.»

Ele: - «Isabel… há quanto tempo vive aqui? Nunca a vi antes, embora seja minha vizinha.»

Ela: - «Há 15 dias.»

Ele: - «Ah, bem me parecia. A Isabel o que faz?»

Ela: - «Sou decoradora, trabalho numa empresa de móveis.»

Ele: - «Curioso...»

Ela: - «Curioso por quê?»

Ele: - «A minha ex., também o era.».

Ela: - «É divorciado?»

Ele: - «Não, sou solteiro, a minha ex. namorada.»

Ela: - «Zangaram-se?»

Ele: - «Quer dizer… acabámos, feitios iguais, sagitarianos… nunca se deram.»

Ela: - «Qualquer dia fazem as pazes.»

Ele: - «Dificilmente. Fomos 6 meses felizes. Tentámos mais um tempo, mas acabámos por nos convencer que o fim era o melhor.»

Ela: - «Segue-se pelos signos?»

Ele: - «Oh, não. Não ligo a isso, é um antilogismo que não merece ser levado a sério.»

Ela: - «Tenho um primo afastado, sagitário, uma joia de rapaz, mas com um feitiozinho…»

Ele: - «Todos temos “um feitiozinho”. E a Isabel, de que signo é?»

Ela: - «Afinal… sempre liga os signos.»

Ele: - «Pura curiosidade.»

Ela: - «Ouviu?»

Ele: - «O quê?»

Ela: - «Pareceu-me ouvir tocar uma campainha … que horas são?»

Ele: - «8 e 45.»

Ela: - «Há quase 2 horas que aqui estamos.»

Ele: - «O tempo passou depressa. Estava tão bem acompanhado…»

Ela: - «Diz isso porque não deve ter fome.»

Ele: - «Por acaso tenho…»

Voz: - «Já vos tiro daí.»

Ela: - «Repare… já estamos a descer. Finalmente.»


Ele: - «Libertados... Isabel, por certo não vai fazer jantar a esta hora… permita-me que a convide para me acompanhar no jantar.»

Ela: - «Dada a hora, aceito, mas com a condição de pagarmos a meias.»

Ele: - «Ok…»

Ela: - «Se não se importa dê-me 5 minutos. Tenho de ir a casa num instante.»

Ele: - «Tudo bem, aproveito vou também a casa, mas vou a pé.»

Ela: - «Sim, sim, não arrisco. Vou também pelas escadas. Bato-lhe à porta quando estiver pronta.»



Ela: - «Desculpe a demora, não resisti a um duche.»

Ele: - «Mas, mas, onde vamos jantar?»

Ela: - «Aqui perto, estamos rodeados de bons restaurantes.»

Ele: - «Mas… mas… que bem Isabel. Com esse vestido, parece uma estrela de cinema.»

Ela: - «Que exagero, César.»



Ele: - «`Peixe ou carne?»

Ela: - «Escolha o César, com a fome que estou… tudo o que vier eu como.»

Ele: - «Aqui, servem um bife com pimenta que é uma delícia.»

Ela: - «Costuma cá vir?»

Ele: - «Às vezes, sim. Gosta de bife?»

Ela: - «Sim, mas muito mal passado.»

Ele: - «Eu também, de outra forma não o como.»

Ela: - «Oh, César, porque me olha assim?

Ele: - «Desculpe, Isabel. Estava tão absorto… pensei estar no céu com um anjo a olhar-me… permita-me que lhe diga, a Isabel é muito bonita, deve ter namorado e eu aqui a olhá-la… por favor não me leve a mal.»

Ela: - «Obrigado, César, pelo galanteio, mas considero-me uma mulher normal, além disso, se tivesse namorado, não estava aqui sentada consigo, a jantar, mas, mal o conheço.»

Ele: - «Perdoe-me, mas…»

Ela: - «César, por favor… não me interprete mal. Gostei do seu galanteio, foi simpático, mas fale-me de si…»

Ele: - «Lá vai: nasci há 32 anos, licenciei-me em gestão, sou romântico, meigo, tenho uma pequena empresa de publicidade e quando tiver um cliente de um produto de higiene oral, convido-a para meu modelo e…

Ela: - «Hahaha…»

Ele: - … hoje conheci uma mulher maravilhosa.»

Ela: - «Oh, César… não me envaideça. Tontinho.»



Ele: - «Obrigado pela sua companhia, nunca tão bem me soube um jantar.»

Ela: - «Fico-lhe em débito um jantar, quando não tiver companhia, telefone-me, prometo-lhe um jantar à luz de velas… em minha casa… ah… o jantar será confecionado por mim… uma SAGITARIANA.

sábado, 1 de dezembro de 2018

EMMANUELLE


             Esta história passa-se em Paris, cidade luz, onde o romance é obrigatório e o amor acontece. Cidade onde a noite é destinada a amar, onde é proibido dormir.

               Junto ao rio Sena que, sem pressa, se encaminha para o Canal da Mancha parecendo atrasar o passo no centro da cidade para apreciar os seus majestosos monumentos e parando mesmo ao atravessar, sob as magníficas pontes, vivia a personagem deste romance, Emmanuelle (a partir de aqui o seu nome passará a “Ema” Caret. Da sua janela no último andar daquele prédio na Rue de Rivoli, margem direita do rio, via o famoso Jardin des Tuileries. Muitos dos seus quadros tinham sido pintados nesse jardim. Ema, para além de pintora, era uma conceituada restauradora de obras de arte, profissão que vinha desenvolvendo desde há longos anos. Vivia só. Divorciara-se há algum tempo. A sua filha dera-lhe um neto que era o seu maior tesouro e a sua companhia quando os pais se ausentavam de Paris. Embora reformada continuava a trabalhar no restauro de quadros como sempre fizera e com a mesma dedicação. Ema, uma mulher meiga e carinhosa, dedicava a sua vida ao trabalho, à filha e neto, mas faltava-lhe algo mais; um abraço, um carinho uma palavra doce de alguém como aquele que conhecera um ano após o divórcio.

               Era uma tarde de junho, Ema restaurava o famoso quadro de Velasquez (O Triunfo de Baco), do Museu Nacional Do Prado. Aquele rosto à esquerda, visto à lupa, fez-lhe lembrar alguém que conhecera havia uns anos, Claude Croze. Já não trabalhava na mesma empresa, como pudera constatar. Não tinha nenhum contacto de Claude. Estivera apaixonada por ele. Amara-o profundamente. Porquê lembrar-se dele? Decorrera tanto tempo… esta personagem não lhe saía da cabeça. Que seria feito dele? Seria que o encontraria nas redes sociais? Não resistiu. Ligou o computador e procurou-o. Encontrou. Peço-lhe amizade? Não, não peço. É um homem casado… seria ainda? Todos os dias consultava a sua página, bisbilhotava o passado e presente de Claude, até que se decidiu. Pediu-lhe amizade.

 

               Cerca de três anos antes, Emmanuelle num dos seus passeios pelos Campos Elísios observando as vitrinas, não resiste a uma montra que expunha uma coleção de vestidos, uma coleção de verão. Demora algum tempo a contemplá-la. Ao seu lado um cavalheiro olha-a e, balbucia como se falasse para si próprio «ficava-lhe bem, o azul.»

               Ema não resiste a um sorriso mal disfarçado.

               «Como?»

               «Oh… desculpe, falava comigo próprio.» Responde o cavalheiro olhando-a fixamente nos olhos e não resistindo conclui. «Mas o azul ficava-lhe bem.»

                Emmanuelle desafia-o igualmente com o mesmo olhar, sem pestanejar.

               «Obrigado, mas gosto mais daquele.» Contrapõe, apontando para um outro que tanto poderia ser o verde como outro qualquer.

               «Permita-me que me apresente…» Diz o homem fazendo uma vénia, «Croze, Claude Croze.»

               Ela sorri. Estende-lhe a mão que ele beija.            «Emmanuelle Caret, Ema pour les amis

               Emmanuelle despede-se depois de aceitar o seu cartão-de-visita. Era um vendedor de material para pintura. Talvez seja útil, pensou.

               Já em casa Ema criticava-se a si própria. Mas que imprudente que fui. Porque lhe dei conversa? Devo estar maluca. Pegou no cartão e atirou-o para o cesto dos papéis. À noite, já na cama, pensou nele. Levantou-se e foi recolher o cartão-de-visita. Voltou a lê-lo. Preciso de pincéis. Vou guardá-lo.

               Ema tentava esquecer aquele homem, mas havia qualquer coisa no seu olhar que Ema não conseguia resistir. Resistiu 8 dias. Telefonou-lhe. Precisava de uns pincéis com pelo de marta e pediu-lhos.

 

               Claude recebe um pedido de amizade através das redes sociais. Era da sua ex-namorada Ema, que não via há algum tempo. Tinham-se zangado por um capricho sem fundamento.

               Foi o início de uma troca de correspondência que, a partir daí, começou a ser diária. Reavivaram os bons momentos passados uns anos antes. Recordaram como se conheceram, como se apaixonaram nos primeiros encontros, as tardes passadas sobre as magníficas pontes que cruzam o rio Sena e que eram palco dos abraços e beijos a que não resistiam, dos passeios noturnos após o jantar em restaurantes junto ao rio, nas noites loucas de amor que jamais esqueceriam.

               Renasceu assim o mesmo amor que nutriam e, sem se aperceberem, viram-se envolvidos novamente numa noite de outubro numa cama de hotel.

               «Oh, querida, como foi bom teres-me encontrado.» Disse-lhe ele abraçando-a com carinho e beijando-a com ternura.

               Ema nada disse, limitando-se a olhá-lo com o mesmo olhar com que o cativara, envolvendo-o com os seus braços e beijando-o apaixonadamente.

               Nos meses seguintes, os telefonemas e mensagens tornaram-se constantes. Pela manhã ao acordarem havia sempre um carinho no telemóvel. As mensagens de hora a hora apareciam nos Smartphones de ambos. Amavam-se pela madrugada dentro em mensagens. Escreviam loucuras de amor um ao outro.

               «Querido, é tão bom ter-te aqui agarradinho a mim.» Escrevia Ema nas suas mensagens.

               «Tens os pés tão frios, amor… vou aquecê-los,» respondia Claude e continuava… «vou aquecê-los com os meus beijos.»

               Muitas noites eram passadas a amarem-se platonicamente.

               Claude insistia num novo encontro, mas Ema esquivava-se.

               «Amor, eu queria, mas não posso, não devo. És casado.» Dizia Ema.

               «Vamos tomar um café apenas.» Insistia Claude.

               Passavam os meses e Ema rejeitava sempre quaisquer encontros. Amava-o, mas não queria voltar a vê-lo. Era um homem casado e não queria sofrer como sofrera outrora quando soube que Claude era casado. Debatia-se constantemente contra a sua consciência. Chegou mesmo a dizer-lhe que se arrependera daquele fortuito encontro. Agora já não lhe dizia “eu queria, mas não posso, não devo”. Agora era: NÃO QUERO, NÃO POSSO, NÃO DEVO. As zangas começavam novamente. Ainda houve uma tentativa de se tronarem apenas amigos, mas não resultou. Cada vez se tornavam mais agressivos. Por duas vezes o cortou do Facebook e por duas vezes lhe reenviou o pedido de amizade. Ela sofria e fazia sofrer aquele que amava. À noite pensava nele, virava e revirava-se na cama pensando tê-lo junto a si. Acariciava o seu corpo pensando que as suas mãos eram as dele. Doía, doía muito amar aquele homem que não era seu.

               Ema não queria gostar dele, mas não conseguia esquecê-lo. Implicava com tudo o que ele escrevia ou dizia. Começou a tratá-lo com rudeza, chegando mesmo a tratá-lo mal. Claude tentava apaziguar e esquecer, não gostava da reviravolta daquela que também amava. Emmanuelle já não era a Ema de há uns pares meses, a apaixonada, a romântica, a carinhosa. Tornara-se arrogante, menos feminina e até revoltada.

 

               Uma certa tarde Emannuelle recebe uma chamada de uma mulher que de imediato reconhece ter-se enganado no número. Ema não acreditou tratar-se de um engano, pensou em tudo menos num engano. Furiosa telefona a Claude.

               «Deste este meu número a alguém?»

               «Não, Ema. Que disparate…»

               «Telefonaram-me, uma mulher.»

               «Que queria?»

               «Disse-me que foi por engano.»

               «É natural, porquê essa indignação?»

               «Dá-me o telefone da tua mulher. Não confio em ti. Deixas o telefone por aí…»

               Claude deu-lhe o número. Não era o mesmo da chamada recebida.

               Estas cenas começaram a ser diárias e Claude, sempre que Ema lhe vinha com estas conversas, ficava furioso e deixava de escrever por uns dias até que um cedia e voltavam às conversas, agora mais espaçadas.

               Um dia, Claude cansado daquelas atitudes, da forma como ela falava, dos ataques e falta de confiança, convenceu-se que Ema se cansara, que queria que tudo acabasse. Deixa de lhe escrever.

               «Ema já não me ama. Penso que queira acabar definitivamente. Vou fazer-lhe a vontade. Não suporto mais as suas mensagens cheias rancor.» Pensava Claude desesperado. Um dia tinha-lhe dito: prefiro o teu silêncio, dói menos que menos que as tuas amargas palavras.

               Ema, furiosa, elimina o número guardado no seu telefone e corta-o do Facebook. Mais de um mês passou sem que soubessem um do outro.

               Finalmente tudo tinha acabado, pensava Ema. Ou melhor, pensava a sua consciência, porque Emmanuele não dormia, não suportava aquele fim. Não tinha o seu amor nas redes sociais, não sabia o seu número de telefone por o ter eliminado e não queria voltar a pedir-lhe novamente amizade. Que seria feito dele? Olhava o telefone repetidamente na esperança de uma mensagem. Não, Claude não fugiu. Vai voltar. Amanhã receberei um telefonema ou uma mensagem. Estes pensamentos eram diários e a preocupação começava a tornar-se extenuante e preocupante. Acontecera alguma coisa? Claude, Claude, telefona-me. Telefona-me amor. Há 63 dias que não falava com ele e nunca mais recebera notícias. Por sua vez Claude deixara de abrir, escrever ou colocar fotos no Facebook. As noites tornaram-se atrozes e cruéis. Não dormia, queria saber do seu Claude, mas não queria pedir-lhe mais uma vez amizade. Se Claude gostava dela, devia contactá-la. Ele era orgulhoso, mas ela também o era. Foi ele que me deixou de contactar, se gostasse de mim escrevia, mandava uma mensagem. Gostava apenas de saber se está bem. Teria acontecido alguma coisa? Eram estes os pensamentos constantes de Ema, mas principalmente à noite quando se deitava. Durante o dia ia-se entretendo com o restauro do quadro. Não o odiava, mas tinha-lhe raiva.

              

               Três meses decorreram e nada de notícias de Claude. Começou a preocupar-se e pensou no pior. Não lhe iria pedir amizade, mas ia mandar-lhe uma mensagem. Mas como?

               Não resistiu e pediu-lhe amizade. Oito dias passaram sem receber resposta. Mais preocupada ficou.

               «Estaria doente? Num hospital? Terá arranjado outra? Ó meu querido Deus…»  não decorara o número do seu telefone. Procurou na papelada das suas anotações, mas o telefone não aparecia. Tinha anotado alguns números, mas nenhum de Claude. Havia um número que lhe ocorreu ser o da sua mulher. Mas como iria contactá-la? Que lhe diria? Pediria a um amigo que o fizesse? Não tinha amigos tão íntimos como isso. Não iria expor-se a explicações do seu íntimo. Teria de ser ela a resolver o assunto.

               «Madame Croze? Fala do BNP Paribas, o seu marido está?»

               «O meu marido morreu…» de imediato Ema ficou lívida deixando cair o telefone e quando o apanhou, já a chamada se tinha desligado, por isso não ouviu o resto da frase «… pelo menos para mim 

               «Ó meu Deus, porque me castigas. Não merecia isto. Por favor… traz-mo de volta. Não acredito que tenha morrido.» Chorava Ema copiosamente.

 

               Três meses aproximadamente decorreram após aquele telefonema. O trabalho de Emmanuelle parara e limitava-se a deambular pelas ruas, ver vitrinas. Não podia desabafar com as amigas, doía-lhe o coração. Emagrecera.

               Numa tarde de verão descendo os Campos Elísios, Ema parando nesta ou naquela montra recordava os passeios que tinham dado por aquela avenida, ficava-lhe bem o azul. Recordou as primeiras palavras proferidas por Claude. De repente tem uma visão. Seria possível?

 

               Nessa mesma tarde, mas em sentido contrário, Claude subia os Campos Elísios em passo lento, também ele olhando as montras alheio a quem passava olhando os transeuntes, mas não vendo ninguém.

               «CLAUDE!» Grita uma voz.

               Claude olha para o local de onde vem a voz. Fica paralisado.

               «Ó, ó, ó. Ema, amor, tu… tu aqui?»

               «Ó querido.» Exclama Ema atirando-se para os braços de Claude e beijando-o com fervor. E, junto ao ouvido, segreda-lhe: «tua mulher disse-me que… que tinhas morrido…» 

               «Morri, mas renasci para ti.» Disse abraçando-a com ternura colando a sua à boca dela.

               As pessoas olhavam, sorriam e seguiam. Não era normal verem um casal de idosos abraçados aos beijos no meio da rua como dois adolescentes.

segunda-feira, 13 de agosto de 2018

SEMANA AZARADA


Um azar nunca vem só, mas quando o azar se prolonga por todos os dias da semana, algo vai mal.
Foi o que se passou comigo na passada semana. Todos os dias uma pequena peripécia atacou-me. Eu passo a explicar.
Via Facebook, recebo um convite para uma festa de aniversário de um sobrinho neto. É-me enviada a morada, dia e hora do evento. O local é Casal de Cambra. Há anos, pensava eu, não passava por aquela localidade, pelo que, à cautela, iria lá passar com a ajuda do GPS. Assim fiz.
 
6 de agosto, segunda-feira anoto a morada no GPS e sigo o itinerário aconselhado.
- Siga pela estrada indicada, siga 300 m ao encontro da rotunda, saia na segunda saída. Siga 6 km. Mantenha-se à direita. Saia na saída a 200 m, siga durante 8 km. Etc.Etc.
Depois de vários quilómetros pelo eixo Norte-Sul, continuo pela A8, dou voltas e mais voltas e finamente chego ao destino. Espanto! Estou à porta do meu irmão. Ligo à minha cunhada.
“ALICE… estou à tua porta. Não está em casa? Como se chama esta localidade?”
“Casal de Cambra” respondeu.
“Não sabia, pensei que fosse Caneças.”
Expliquei-lhe que, não conhecendo o nome da rua onde moravam nem sequer o n.º da porta, tinha resolvido localizar o local do evento que afinal seria em casa dela.   
 
7 de agosto, terça-feira vou lavar o carro a um autosserviço, adquiro uma ficha para a aspiração e qual o meu espanto, não tenho tapetes. Na garagem onde costumo lavar o carro, mostraram-me alguns tapetes, mas nenhum era meu. Provavelmente deixei-os num autosserviço qualquer.
 
8 de agosto, quarta-feira. São 6 da tarde. Queria aproveitar o resto da tarde para umas tacadas de golfe. Alguém estacionou em segunda fila impossibilitando-me de sair com o meu carro. Percorri todas as lojas em volta, mas ninguém sabia a quem pertencia o carro mal estacionado. Ao fim de muitos minutos resolvi buzinar, mas sem que alguém aparecesse. Aguardei cerca de meia hora e desisti. Voltei para casa.
 
9 de agosto, quinta-feira, vou como habitualmente às quintas, para o escritório. Aguardada uma mensagem depois das 18H00, de forma que, ao sair do escritório, ligo a rede móvel e localizo-me no messanger. Ao descer as escadas, tropeço (mas não caio), cai o telemóvel que galgou alguns degraus. Verifiquei que não tinha sofrido danos, mas não sei como, alguns emojis foram enviados para alguém.
 
10 de agosto, sexta-feira. Não, não foi uma sexta-feira negra. Foi uma sexta-feira normal, sem incidentes. Pensei que os azares tinham acabado, mas qual quê, voltaram e mais violentos.
 
11 de agosto, sábado. Fui ao aniversário do meu sobrinho neto. Depois de jantar regresso a casa, deixo a minha mulher à porta e procuro um lugar para estacionar. Tinha levado as chaves de casa e guardado no porta-luvas. Agora não as encontrava. Ligo para casa, mas não, não estavam em casa. Depois de procurar em todos os compartimentos do carro e com a ajuda da lanterna do telemóvel lá as consegui encontrar.
 
12 de agosto, domingo. Preparava-me para sair e ir almoçar a casa de um sobrinho, quando me batem à porta. Tinha o vidro do carro aberto. Desci de imediato. Claro que o vidro da porta do meu lado estava totalmente descido. As portas destrancadas. Os óculos de sol tinham desaparecido. O GPS, guardado no porta-bagagens, evaporou-se. Vá lá que me deixaram 2 moedas de 50 cêntimos que guardo no porta-luvas para estacionamentos.
A tragédia continua.
Regresso a casa pelas 18H00. Deixo e minha mulher à porta, procuro estacionamento e volto para casa. Dentro do elevador, procuro a chave da porta, mas o porta-chaves cai-me e em vez de me cair aos pés, cai para o alçapão do elevador.
Com a ajuda dos vizinhos, tentam com um íman recolher as chaves, mas sem resultado. O íman era fraco e não suportava o peso das chaves. Conseguiu-se abrir a porta do elevador no rés-do-chão. Não era muito fundo e prontifiquei-me descer para recolher o porta-chaves. Escorreguei, no óleo, caí de costas. A custo me levantei. Não me magoei, mas os braços, o polo e calças ficaram negros, cheios de óleo. Rasguei as calças, por sinal novas. Tomei um banho e depois de me esfregar com uma luva de sisal, lá consegui ficar minimamente lavado.
 
Que mais me iria acontecer? Pensei ir hoje, segunda-feira, a um cartomante, um astrólogo ou talvez mandar rezar uma missas pelos meus pecados, mas sou tão bonzinho… penso não ter pecados que o justificasse. Resolvi desistir de fazer fosse o que fosse. A segunda-feira decorreu sem incidentes e então pensei que o melhor seria desabafar convosco e pedir: REZEM POR MIM.

quarta-feira, 25 de outubro de 2017

O DESTINO – HISTÓRIA DE UM GRANDE AMOR (Segunda parte)


               São três horas da tarde naquele mês de outubro. Dentro do seu carro estacionado num parque-auto coberto, olhou o telemóvel com impaciência. O seu amor ficara de o avisar logo que entrasse no parque. Tinha combinado aquele local de encontro para evitar os olhares de terceiros. Havia quase um ano que a não via e iria recebê-la com demasiado entusiasmo. Queria estar à vontade.

          Um minuto depois recebe o esperado telefonema.

          «Olá querido. Entrei agora no parque.»

               «Olá amor, vou já ao teu encontro.» Respondeu, deslocando-se para a entrada. Abriu a porta e ela entrou. Olhou-o com aqueles olhos meigos que sempre o fascinaram. Recebeu um beijo na face e sorriu. Não retribuiu o beijo e conduziu uns 50 metros estacionando de novo. Desligou o motor do carro, trancou as portas com a mão esquerda e com a direita segurou a cabeça da sua amada. Olharam-se com ternura. Aproximou a sua cara à dela. Os seus lábios entreabriram-se. Não resistiu e passou a sua língua por eles. Sentiu um prazer que há muito não sentia. Uniu os seus lábios aos dela, desta vez com sofreguidão. Provou a sua língua e as suas borboletas despertaram. Estava sequioso dos seus beijos, do seu sabor, do seu calor, dos seus olhos, do seu cabelo. Durante muito tempo as suas línguas brincaram uma com a outra. Estavam loucos de prazer. As mãos percorriam o corpo um do outro sem parar.

          «Vim apenas para tomar um café, querido.» Disse ela com aquele sorriso de criança.

          «Eu sei, amor. Apenas te cumprimentei. Dá um retoque na maquilhagem enquanto eu conduzo. Estás toda esborratada.» Disse ele sorrindo também.

          Saíram do parque, direitos a uma pastelaria, de mãos dadas e entraram. Para seu agrado, estava quase deserta. Sentaram-se ao fundo e de novo os seus olhares acusaram amor mútuo. Pegou-lhe nas mãos e apertou-as com tanta força que a magoou.

          «Querido, partes-me os ossos…» gemeu. Olhou-a embevecido e desejou-a. Queria abraçá-la, beijá-la com ternura. Queria envolver os dedos nos seus cabelos. O seu gemido fez-lhe recordar a última vez que estiveram juntos, havia muitos anos.

          «Perdoa-me, amor. De quanto tempo dispomos para estarmos juntos?» Perguntou.

          «Depende.»

          «Depende de quê?»

          «Do tempo que tu tens.» Respondeu ela.

          «Podes ficar comigo até às 8?»

          «Da manhã?» Brincou ela.

          «Oh, amor, não me martirizes. Adorava, mas hoje não estava preparado.» Lamentou.

          «Então vamos embora.» Respondeu ela.

          «Estamos aqui há 15 minutos, porquê irmos embora já?»

          «Temos pouco tempo para estarmos juntos. Despacha-te. Já marcaste hotel?»

          «Amor, és mesmo “safada”». Beijou-a na boca e só então reparou, ou foi impressão sua, mas os poucos clientes presentes tinham os olhos postos em ambos. O sangue subiu-lhe à face a ponto de ela lhe perguntar:

          «Que foi? Coraste.» Beijando-o novamente na boca continuou.

          «És um complexado. Então, marcas o hotel ou queres que o marque eu?»

           Saíram sempre de mãos dadas. Ele não olhou para ninguém, mas sentiu que todo o mundo o olhava pelas costas.

           Foram para o Hotel.

           A última vez que Cláudio vira a sua querida Estela, numa loja de brinquedos, acompanhada pela sua neta, fora há quase um ano.

           Conhecera-a há umas décadas, ainda eram solteiros. Nessa altura amaram-se durante aproximadamente um ano, mas em virtude de Cláudio se ter ausentado em serviço para a Suíça por cerca de ano e meio, perdera o rasto de Estela. Por sua vez Estela esquecera-o em virtude do seu comportamento e a falta de contactos que aos poucos foram escasseando.

           Naquela tarde na loja de brinquedos onde se encontraram, pouco puderam falar. Cláudio soube apenas que Estela, outrora vivendo no Porto, tinha mudado a sua residência para Lisboa. Era já avó de uma linda menina, que a acompanhava na altura. Estela, por sua vez, soubera que Cláudio, embora já reformado e viúvo, continuava a trabalhar na mesma empresa alimentar onde décadas antes trabalhara.

 

           Decorria o mês de junho. Cláudio entrou no gabinete de trabalho e após uma vista de olhos pela papelada, repara numa nota de um telefonema de uma Estela. Ficou louco. Só podia ser a sua amada Estela. Há quase um ano que aguardara por aquele telefonema.

           De imediato entra em contacto com ela.

           «Estela, querida, há tanto tempo que anseio este telefonema…»

           «Cláudio, como tens passado? Olha, antes de continuar vou pedir-te um favor. Evita telefonar-me. Eu entro em contacto contigo sempre que possa. Sabes bem que tenho família e posso não estar só. Podes deixar mensagem no telefone.» Informou Estela.

           «Mas, voltas a telefonar-me daqui a mais um ano?» Lamenta-se Cláudio.

           «Não querido, juro que te telefono em breve. Dá-me o teu número do telemóvel.»

           

           Os telefonemas esporádicos passaram a diários. O amor renasceu entre ambos. Os desejos de um encontro tornaram-se numa obsessão. Ambos o desejavam, mas Estela receava esse encontro, receava apaixonar-se novamente por Cláudio. Amara-o quando era jovem e sofrera muito com a separação. Hoje era uma senhora casada, avó de uma linda menina, mas nunca esquecera o seu primeiro amor, as maravilhosas noites no hotel onde Cláudio se hospedava nas suas viagens ao Norte e posteriormente em sua casa. Fora um ano que jamais iria esquecer. Agora era tarde, mas, seria tarde? Desejava-o com todo o seu íntimo, desejava voltar a amar como nunca amara antes, nem mesmo o seu marido, com quem casara mais para esquecer Cláudio, do que por amor. O casual encontro na loja de brinquedos despertara-lhe recordações e debatia-se com a sua consciência. Não queria vê-lo, mas desejava-o. Não queria um encontro, mas não resistia. O seu desejo era superior, mas evitava-o. Queria esquecê-lo, mas não conseguia. Sofria por não o ver e sofria por não poder abraçá-lo e dizer-lhe que nunca o esquecera, que o amara sempre.

           Não resistiu e foi naquela tarde de outubro que marcou encontro num parque-auto subterrâneo.

 

           Cláudio e Estela saem do parque-auto direitos a um recatado hotel, sobem uma escadaria que mais parecia a escada do Titanic. Uma empregada com a esfregona de limpeza, indica-lhe o quarto. Era um quarto modesto, com cama de casal. Mal se viram sós, Estela mais afoita, atira-se ao pescoço do seu amado e beija-o longa e apaixonadamente. Encosta-o à parede e com o indicador apontado para o céu e encostado aos lábios, segreda-lhe. “Chiu”, não mexe.» Cláudio, estático olha-a sem entender quais os seus intuitos.

           Estela ajoelha-se à sua frente, tira-lhe o cinto, despe-lhe as calças e acaricia-o com amor. Cláudio, paralisado não só pela situação como pelo prazer, afaga-lhe os cabelos, a cara o peito. Pega nela ao colo e atira-a para cima da cama. Despe-a devagar, apreciando aquela nudez que lentamente vai ficando visível. Recordou os anos em que eram jovens e foi cobrindo-a de beijos à medida que o seu corpo nu se ia mostrando. Beijou-a como sempre o fizera, com amor, carinho e desejo. Beijou todos os centímetros do seu corpo, enquanto Estela se contorcia de prazer e o acariciava também. O tempo parecia ter parado e horas depois, ainda numa dança de corpos nus enroscados e cobertos de suor, amaram-se. Amaram-se como se quisessem recuperar todos aqueles anos de separação.

 

           A todos os momentos e diariamente a troca de mensagens e de telefonemas eram constantes. O amor mútuo cresceu. Cláudio queria vê-la novamente, tocá-la, beijar aqueles olhos que o olhavam e pareciam dizer: AMO-TE TANTO… aquela boca que, calada, parecia chamá-lo de querido, amor, estou apaixonada por ti. Queria tocar nos seus seios, acariciá-los e beijá-los. Queria envolvê-la nos seus braços, apertá-la, beijar o seu pescoço enquanto lhe segredava ao ouvido palavras de amor.

 

           Um segundo encontro tardava. Estela adiava-o constantemente, amava-o, mas temia, era uma senhora casada. Estava apaixonada por Cláudio. Um segundo encontro era o seu maior desejo, mas debatia-se com a sua consciência. Queria-o nos seus braços, desejava-o ardentemente. A sua consciência não a deixava. Não dormia, apenas pensava no seu querido Cláudio.

 

           Por sua vez Cláudio desesperava, queria-a junto a si, amá-la com naquela tarde outubro. Compreendia a situação de Estela. Sabia que não amava o seu marido, mas tinha de o respeitar. Os telefonemas e mensagens entre ambos eram diários.

 

           «Eu quero, querido. Eu amo-te, mas, não compreendes… não posso, não devo.» Dizia muitas vezes Estela em momentos de ternura, quer por telefone, quer por mensagens.

           «Compreendo, amor, mas sofro por não te ver, não sentir o teu cheiro, não tocar nos teus cabelos, nas tuas mãos.» Queixava-se Cláudio.

 

          Os meses passavam, o amor mantinha o contacto entre ambos, quer por telefone quer por mensagens. Muitas noites passavam em mensagens amorosas amando-se virtualmente. Estela jurava que iria amá-lo ou chorar por ele. Cláudio amava aquela mulher e não queria aceitar um não a um reencontro. Queria olhar aqueles olhos que o convidavam a amá-la. Aqueles lábios que lhe pediam um beijo. Queria mordê-los como o fizera outrora. O sabor daquela língua que o excitava. Aquele cabelo onde tantas vezes entrelaçara os dedos. Aquele corpo que lhe aquecia o coração.

          «Querido, o que mais me custa são as noites, passo-as a pensar em ti, agarro as minhas maminhas e imagino as tuas mãos acariciarem-me.»

          «Estela, meu amor, não me faças sofrer mais.» Queixava-se Cláudio.

          Estas conversas prolongavam-se por horas. Amavam-se a toda a todo o momento, quer por telefone que por mensagens. Estavam loucamente apaixonados, mas Estela, tinha medo, medo de um reencontro. Queria muito vê-lo novamente, mas receava, a sua consciência não a deixava. Sofria e desesperava.

          «Um dia mando tudo à “fava”, a minha consciência não me deixa, mas qualquer dia perco a cabeça e corro para os teus braços.» Declarava Estela nos dias mais deprimentes.

          «Não me amas, Estela, se me amasses como dizes corrias para junto de mim.» Lamentava Cláudio.

          «Amo-te, amo-te muito, mas não posso, não devo.» Declarava Estela.

          As zangas começavam, os amuos e rebeldia eram agora constantes. Guerreavam-se sem motivos. Guerreavam-se por não se verem, não se acariciarem, não se tocarem. Mas Estela continuava presa à sua consciência, não podia, não devia. Não. Não.

          Certo dia aconteceu o inevitável. Amuos, dias sem se contactarem, mas havia sempre um que cedia e voltavam aos contactos.

          «Como sabes esta é a única forma de me “ouvires” sem me interromper…» escrevia Cláudio a Estela. «Pedi-te para atirar as pedras fora e depois contactar-me. Fingiste não entender e respondes que já as atiraste, mesmo as que estavam no fundo da alma e que, os amigos que te conhecem sabiam que, quando se trata da tua dignidade, és radical.
          Primeiro: as pedras saem pela boca disfarçadas em palavras, nunca pela alma. Segundo: a tua dignidade é igual à minha. Sim, também a tenho, apesar de, no teu pensamento, ter todos os defeitos que diária e constantemente me apontas. Só que não sou radical. Um ano de contactos telefónicos ou escritos, deram para te conhecer melhor do que pensas. Por muito que escondas, há sempre um palavra que te denuncia. A tua franqueza, a tua sinceridade deixa transparecer que as pedras que atiras são pela boca, nunca pela alma. És boa demais para ter pedras no teu interior. Por seres aberta, sincera, por dizeres o que pensas, tornam-te a mulher que eu admiro e louvo, mas a tua sinceridade por vezes magoa, fere-me profundamente. Pedi-te há dias para nos deixarmos de guerrilhas que nos fazem mal. Agora fui mais direto, pedindo-te que deitasses as pedras fora e respondes-me daquela maneira. Eu calculo que andes desesperada, tal como eu, mas não é caso para me acusares de leviano. Recorda que não tenho 40 anos, que não sou tenho vida nem idade para flirts. A minha sinceridade para contigo tem-me prejudicado e tu abusas. Eu sempre te respeitei e admirei. Não me acuses de te ofender por que nunca o fiz intencionalmente.»

          «Sabes bem que não posso nem devo. Respeita-me. Gosto de ti, amo-te, bem sabes, mas a minha situação não me permite leviandades. Bem sei que fui a culpada. Não devia ter ido contigo naquele dia.» Lamenta-se Estela.

          Estas conversas muitas vezes azedavam e outras tantas se zangavam.

          «Penso muitas vezes em ti, no teu estado de alma. Não conseguia concentrar-me no que escrevia, repetia as questões. Não lia o que me escrevias. Desculpa-me por isso. Andas nervosa com tudo isto. Debates-te entre o que queres e o que a tua consciência não quer. Compreendo-te perfeitamente a revolta entre ti e a tua consciência obrigam-te a uma luta constante. Gritas, contigo própria. Não podes desabafar em casa. Acumula-se dentro do teu peito um mal-estar que te obriga a gritar, a dizer basta. Isto não pode continuar. Estou cansada. Desabafas comigo. Gritas comigo. Dizes coisas que não querias. Eu sei, Estela. Eu sei que não és tu que o fazes. É a tua consciência. Por isso aceito essa teu rebeldismo. Refilo contigo, com o que me dizes, mas também não sou eu, é o meu subconsciente ou a minha consciência inconsciente que fala e contesta em meu nome. Tens de concordar que a nossa convivência tem vindo a degradar-se cada dia que passa. Que, qualquer dia, começaremos a insultar-nos, a lutarmos um contra o outro. Apetece-nos batermo-nos, ferirmo-nos, magoarmo-nos com palavras. Se nos encontrássemos neste momento lutaríamos? Insultávamo-nos? Ou correríamos para os braços um do outro? Provavelmente nunca o iremos saber. Naquela noite pensei em nós. Não podíamos continuar a nossa luta daquela maneira. Teríamos de parar. Teríamos de sacrificar o lado amoroso para vivermos em paz, um com o outro. Foi difícil e muito penosa a minha exposição. Tocou muito no meu interior. Ponderei imenso e um de nós teria de tomar uma iniciativa. De outra forma onde nos levaria esta vivência? Foi pelo amor que nutrimos um pelo outro, e antes que esse amor acabe, que tomei esta iniciativa. Estela, eu amo-te apaixonadamente, bem sabes. Pensa um pouco: quererias continuar a martirizarmo-nos, a guerrearmos, a gritarmos um com o outro até que nos odiássemos? Não, por certo. Sejamos amigos, amemo-nos em surdina, tal como nos amamos virtualmente, mas não nos declaremos. O que é preferível? Amarmo-nos ou guerrearmo-nos? Estela, admiro a tua força, a tua consciência e é por isso que há um ano continuo a não te querer substituir “pela mais pintada”. Sabe-lo bem. Sabes que, ou pelo menos deves calcular, se eu tivesse alguém a quem dar o meu amor continuaria contigo a martirizar-te e a mim? Estela, foi por te amar, por não te querer perder, que te apresentei a proposta de sermos amigos e não falarmos de amor um ao outro.» Escreveu certo dia Cláudio à sua amada Estela.

           

          A promessa de amizade entre ambos pouco durou. Os telefonemas e mensagens continuaram amorosos. Continuaram as juras de amor e promessas de um dia se reencontrarem e se amarem.

 

         Aproximava-se o aniversário de Cláudio e Estela cautelosamente se referia a esse dia, o que costumava fazer, onde ia, com quem passava, etc.

         «É um dia como os outros. Já há muito que deixei de festejar o meu aniversário.» Informa Cláudio.

         Em véspera desse dia, Estela telefona a Cláudio.

         «Querido, amanhã tenho uma surpresa para ti. Vais a algum lado?»

         «Não. Porquê?»

         «Quero ver-te.»

         «Não acredito, amor.»

         «Não queres, querido?»

         «Oh, amor, é a minha prenda de anos?»

         «Sim, às 3 horas encontramo-nos na pastelaria onde nos conhecemos há 40 anos. Recordas-te?»

         «Como se fosse hoje.» Declara Cláudio.

 

          Nesse dia, Cláudio esmera-se não só no vestir como no tratamento do corpo, da barba, unhas, cabelo, etc. Perfuma-se, emboneca-se como de fosse apresentar-se pela primeira vez a um concurso de manequins. Iria ver a sua grande paixão, a sua Estela. Queria impressionar.

          Meia hora antes da hora marcada, ali estava ele sentado a uma mesa não longe da entrada da pastelaria, onde 40 anos antes conhecera Estela. Pede um café e uma garrafa de água. Lê o jornal ou melhor finge ler, pois o seu olhar não se desviava da porta de entrada. Olha o relógio de minuto a minuto. São três da tarde, Estela deveria chegar a todo o momento. Por várias vezes mete a mão ao bolso para tirar um cigarro e de imediato percebe que não pode fumar naquele local. Vira a folha do jornal que não tinha lido. Mexe-se na cadeira e bebe um pouco de água. Volta a virar a folha do jornal que não lera. Para numa página onde estão as palavras cruzadas. Mete a mão ao bolso para tirar uma caneta que não tem. Pensa: para que quero a caneta? Não consigo concentrar-me. Mas, que terá acontecido? São quase quatro da tarde e Estela não aparece, não telefona. Vou telefonar-lhe. Pega no telefone. Por três vezes tenta ligar, mas desiste. Aguardaria mais um pouco. Teria Estela brincado com ele? Seria que o enganou? Não, Estela nunca faria isso. Era aquela a pastelaria onde a conhecera, não havia engano. Pensava Cláudio. Chamou o empregado.

          «Reserve-me a mesa por favor. Vou só fumar um cigarro e volto já.»

          À porta da pastelaria olha em volta. Sabia que Estela tinha um carro, a sua cor, matrícula, mas ali seria difícil um lugar. Andaria à procura de lugar? Mas, porque não telefonava? Cláudio pensava em tudo, mas não conseguia vislumbrar uma solução. Voltou para dentro. Pediu mais um café e água. Pela centésima vez olha o relógio. Quatro horas e trinta. Agarra o telemóvel com um nervosismo. Vou telefonar. Decide.

           Liga e, para seu espanto, uma voz masculina atende:

           «Sim?»

           «Queria falar com D. Estela.» Informa a medo Cláudio.

           «Daqui fala um enfermeiro do INEM. Vamos a caminho do hospital. A D. Estela sofreu um acidente…»

           «Mas,» interrompe Cláudio. «Que aconteceu?»

           «Foi grave, D. Estela não resistiu.» Informa o pessoal do INEM.»

           «Grave? Mas… está viva?»

           «Infelizmente não.» Responde o enfermeiro.

           «Está, ESTÁ? Quem está ao telefone? ESTÁ?» Grita o enfermeiro que não obtém resposta.

           O pessoal do INEM, não obteria jamais resposta. Desconheciam que o frágil coração de Cláudio não aguentara a notícia.

 

           À noite, no necrotério, o corpo de Cláudio repousava numa maca. No seu rosto parecia haver um sorriso de felicidade. A dois metros da sua maca jazia o corpo de Estela. O destino não os quisera juntar em vida, juntou-os na morte.